terça-feira, 9 de setembro de 2008

O vir-a-ser em Nietzsche e os Encontros em Spinoza




Para trazer à luz a obscura filosofia nietzschiana, considerada divisor de águas do pensamento ocidental, podemos usar como pedra fundamental o vir-a- ser, que influenciou muitos filósofos e pensadores da modernidade.
Uma reflexão mais abrangente pode fazer Nietzsche dialogar com outro filósofo, Spinoza.Deleuze faz uma reflexão cara sobre ele em O que é uma ideia e o que é afeto em Spinoza, mostrando a extemporaneidade do filósofo do século XVII, e nesse texto tento mostrar a aproximação da filosofia Spinozista com o autor de Assim Falou Zaratustra.
Nietzsche, que se inspirou em Heráclito transcreve em A filosofia na época dos gregos, a asserção do filósofo pré-socrático:
”Não vejo nada além do vir-a-ser, não vos deixei enganar! É vossa curta vista, e não a essência das coisas, que vos faz acreditar ver terra firme em alguma parte no mar do vir-a-ser e do perecer. Usais nomes das coisas como se estas tivessem uma duração rígida: mas nem mesmo o rio em que entrais pela segunda vez é o mesmo que da primeira vez.”
Heráclito diz que tanto o rio quanto o homem mudam incessantemente, e com isso negou a existência do “ser” parmenidiano.
A partir disto podemos concluir: Nada é, tudo o que acontece é inevitável, o que vemos ou o que sentimos é mera ilusão.
Com Heráclito Nietzsche conclui pela inexistência do ser, e nega a razão e a metafísica socrática e cristã. Como assevera o filósofo em O nascimento da tragédia: “Há somente um mundo e este é falso, cruel, contraditório, enganoso e sem sentido”. Mais adiante coloca a arte como redenção: “a arte nada mais que a arte... como via de acesso a estados onde o sofrimento é querido, transfigurado, divinizado, onde o sofrimento é uma forma de grande delícia.”
Assim, o filósofo se afasta do pessimismo schopenhauriano e critica o cristianismo onde a aceitação da injustiça e do castigo são necessários a justificação de um deus que serve de abrigo.Nietzsche propõe o contrário: “dizer sim sem reserva mesmo ao sofrimento, mesmo à culpa, dizer sim a realidade, dizer sim à vida...Ser ele mesmo o eterno prazer no vir-a-ser.”
Para indicar a semelhança entre Nietzsche e Spinoza, Deleuze diz em seu ensaio: “ Eu vivo ao acaso dos encontros e que há uma variação continua dos afetos e que uma idéia substitui a outra, assim vivemos num constante aumento-diminuição-aumento-diminuição da potência de agir.”Simplificando: somos o que somos ou o vir-a-ser depende exclusivamente dos encontros que temos no dia a dia ou ao longo de nossas vidas.
Deleuze explica como os afetos decorrentes de nossos encontros é o fio condutor que age no nosso vir-a-ser dando o seguinte exemplo: Eu cruzo na rua com Pedro com quem antipatizo e depois passo por ele, e digo “bom dia Pedro”, ou então sinto medo com quem me antipatizo. Subitamente vejo Paulo que tremendamente me simpatizo,e eu digo “ bom dia Paulo”, tranqüilizado e contente. Isso é para Spinoza, diz Deleuze, Potência de agir – e essas potências são eternas.
Assim como pode acontecer ao contrário, encontro na rua uma pessoa que me agrada e depois encontro outra que me desagrada, é o ultimo encontro que irá fazer minha potência de agir aumentar ou diminuir.No caso de termos um mal encontro e ficarmos tristes, Spinoza diz:“A tristeza não torna ninguém inteligente, na tristeza estamos arruinados.” Esse foi o ponto do vir-a-ser, o mal encontro, e Deleuze reflete com Spinoza: “Geralmente as pessoas fazem um somatório de suas infelicidades, é de fato aí que a neurose começa, ou a depressão, quando alguém se mete a contabilizar” Spinoza propõe: “Ao invés de fazer um somatório de nossas tristezas tomar uma alegria como ponto de partida local à condição que sintamos que ela nos concerne verdadeiramente.”
Assim, fazer da alegria um trampolim até encontrarmos outra alegria.
Ora, se tudo que acontece e que aconteceu, é e foi inevitável, logo esse acontecimento, seja ele de sofrimento ou dor, em breve ele não será mais o mesmo, como no rio de Heráclito, daí o pessimismo pode ser substituído por potência, vontade de vida, de criação, sabendo que esse momento se dissolverá em outro sentimento.
Dando outro exemplo: Suponhamos que nossas vidas dependessem de uma moeda, que de um lado fosse tristeza e do outro fosse alegria, e como no jogo de cara e coroa toda manhã ao acordar poderíamos saber como seria o nosso dia ao jogar a moeda para o alto, se a moeda caísse no lado da alegria já saberíamos como seria o nosso dia: só encontraríamos pessoas agradáveis, pessoas que iriam trazer a ajuda que precisamos, ganhar na loteria, encontrar um grande amor e etc.Já no outro amanhecer a moeda cairia no lado da tristeza; perderíamos dinheiro, seriamos assaltados, encontraríamos apenas pessoas que diríamos: “Estragou o meu dia”, sofreríamos acidentes, romperíamos relacionamentos ou seja, um inferno.No próximo dia ao jogar a moeda novamente e ...novamente tristeza, e no outro, tristeza ou alegria? O acaso: novamente tristeza e isso poderá se repetir por muito tempo, a probabilidade do acaso. Mas, a tristeza seria para sempre? A probabilidade do acaso nunca é para sempre e um dia a moeda irá novamente cair no lado da alegria, ou seja, o eterno retorno que foi revelado por Nietzsche.
Nietzsche encontrou a explicação da repetição dos acontecimentos com a visão que teve do eterno retorno, em A vontade de potência ele afirma:
“E se o estado deste instante esteve aí, então também esteve aquele que o gerou, e seu estado prévio, e assim por diante para trás de onde resulta que também uma segunda vez ele já esteve aí- assim como uma segunda, terceira vez ele estará aí...
Homem! tua vida inteira, como uma ampulheta, será sempre desvirada outra vez...
E então encontrarás cada dor e cada prazer e cada amigo e cada inimigo e cada esperança e cada erro...
É cada vez para a humanidade, a hora do meio dia.”
Ou, hora de desvirar a ampulheta, hora do novo vir-a-ser.

Marcos Ribeiro
Primavera de 2007

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